sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Mia Couto, escritor moçambicano, lota teatro Paulo Autran




O programa de incentivo à leitura, Encontro entre Amigos, contou nessa quinta-feira (8), com um bate-papo seguido de sessão de autógrafos, com o autor do mais novo lançamento da Cia das Letras, Confissões da Leoa, Mia Couto. Mediado pelo romancista paranaense, Miguel de Sanches Neto, o encontro buscou aproximar o público com a literatura sensível do maior escritor moçambicano da atualidade.




Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós. Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém”. A Confissão da Leoa, Mia Couto. Cia das Letras, 2012.


Para Marcelo Almeida, organizador e mantenedor do programa, é uma grande honra receber um convidado com o porte e importância do escritor, “como fã, nunca imaginei ver Mia Couto em Curitiba, minha cidade, quanto mais no palco do Encontro Entre Amigos.” Revela emocionado. “Trazer um autor com a magnitude de Couto é uma grande conquista, e serve para encerrar a programação de 2012 com chave de ouro”.

Após a leitura de uma pequena biografia do autor, feita pelo autor de Um Amor Anarquista, Miguel de Sanches Neto, Mia Couto agradece-o dizendo o quanto é gratificante sentar ao lado de um colega escritor.

Nascido em Beira, Moçambique, Mia iniciou o bate-papo de forma descontraída, e afirma, logo de início, que o que um escritor precisa, é ter amigos, e não fãs. Diante às palmas das 350 pessoas que foram até o Teatro Paulo Autran prestigiá-lo, Mia pede desculpas caso não se lembre de algum detalhe de suas obras e até brinca “vai que vocês acham que não fui eu que escrevi!”, mas depois explica “escrever um livro é como um filho, eu não vou visitá-lo depois que este deixa minha casa e vai viver sua vida. Vivi tanto tempo com esses personagens, talvez dois ou três anos, que é necessário ter essa ruptura, caso contrário, eles nunca me deixarão para dar entrada a outros”.

Para o autor, escrever é mais como uma viagem, uma reconstituição da memória e reinvenção da palavra, “onde podemos ser outra pessoa, completamente diferente, completamente igual, e ninguém nunca vai saber a verdade.”.

O livro comentado da noite foi “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra” e Mia conta para as dezenas de pessoas, de todas as idades e olhos vidrados, que a base de sua história veio, através de um paralelo com outra cultura, um universo maior ainda que a geografia.

Ao ser indagado por Sanches Neto, sobre a instituição família, que dá vida em sua obra, ser o modelo típico africano, Mia declara que toma da realidade o que considera mais importante e faz um tratamento poético, como se fosse sua leitura do mundo. Para ele “família também é um lugar de mistério e há mais história dentro de sua própria casa do que no mundo inteiro, basta saber enxergar.”.

Um escritor de coração e alma persegue a magia e o fascínio de escrever e refazer a história como se fosse um momento de deslumbre, é uma coisa que sabe sem saber que sabe, deixando-se seduzir e conduzir por cada personagem, sem um plano ou uma arquitetura da obra, “o que seria até mais fácil se conseguisse fazer” finaliza.

Sobre o silêncio, questão tão bem comentada na África, o também poeta nos diz que deveria haver um pouco mais de respeito por este, já que uma pausa na conversa é o momento dos mortos, onde as pessoas deveriam escutar de outra maneira, lendo as palavras através do corpo, porém, aqui, é um vazio que tende a ser preenchido, talvez, apenas, para não se confrontar com o desconhecido.

Mia ainda garante que é daqueles escritores nostálgicos, “o facebook da minha infância era a minha varanda”, brinca. Para ele, estamos em um tempo que ainda há o gosto pela presença física, já que a relação de corpo não pode ser comparada com palavras trocadas em redes sociais.
Desde garotinho, o escritor já brincava de criar histórias e vivia cercado pela imaginação e a invenção de novas palavras. “Eu sentava na rua e ficava observando os transeuntes, cada um, de acordo com o modo de andar, a expressão no rosto ou a roupa, ganhava uma nova vida, totalmente recriada. Este era meu maior passatempo.”

Antonio Emílio Leite Couto, como consta em sua certidão de nascimento, tem 26 livros publicados, entre eles, poesias, contos e romances, e é ganhador dos prêmios Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra em 1999 e União Latina de Literaturas Românticas, em 2007.

O quê meus olhos viram em Mia, 

por Mellissa Saldanha.



Existem experiências na vida que são, indubitavelmente, a troca de alma entre os indivíduos envolvidos. Se aura, ou qualquer outro signo que signifique uma energia incontável, incompreensível e indescritível, existe, pude percebê-la hoje, durante a troca de experiências entre o escritor Mia Couto, eu e mais 350 fãs, ou melhor dizendo, nas palavras do próprio Mia, 350 amigos.

Pega despreparada, não conhecia um livro se quer do autor, porém ao ver aquele grupo reunindo, com suas sacolas e bolsas carregadas de uma literatura, que viria eu a descobrir depois, uma das mais puras e poéticas da atualidade, me deixei apreciar o momento e conversar com senhoras que ao meu lado sentavam. 

A magnitude desse encontro fala por si só na análise do grupo espectador, que esperava pouco, perto do que lhes foi dado. Homens, mulheres, crianças, jovens, adultos, idosos, todos reunidos, de uma forma ou de outra, conectados, ligados por uma emoção que palavra/frase/poeta nenhum descreve. Do mesmo modo que os livros do autor emocionam, pega-se de exemplo na simples leitura de seu simples título: "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", onde, assim como o rio, o tempo corre, sem direção às vezes, encontrando-se à outros rios, perdidos também, levando pela frente tudo o que se deixar levar, sem pedir licença. A casa existe dentro de cada um de nós, somos a terra, somos a vida. E depois de uma muda poesia dessas, metade da plateia já estava emocionada. E eu, chocada. 

É incontestável o sentimento que emanava, como uma nuvem rasa feita de cores e sons. Do palco, Mia de forma alguma parecia longe ou desconfortável, como se estivesse ao meu lado e de cada um, individualmente, declarando--va-nos sua poesia em silêncio, uma expressão do corpo. Ouvir o português de Moçambique, aproximou-nos mais ainda à cultura e à vida daquele lugar, como se a alma não tivesse um dialeto, mas compreendida seria com o simples fato de, juntos por uma só paixão -que hoje, no caso, era da literatura-, nos entendêssemos sem frescuras. Como o escritor, a vontade que dá ao descrever toda essa experiência é de unir palavras, inventá-las, como se as existentes não fossem suficiente para descrever tamanho sentimento assistido. Grandioso, assombroso, de corpo, e mais que isso, de alma. Humilde, de pés no chão de terra batida e descalços.

Ganhou uma fã, afinal, nunca me senti tão tocada quanto hoje, pela simplicidade e verdade, que um ser humano pode ter.

A vontade que dá após sair de um evento desses é de encarar o universo e gritar, "eu não sou tão pequeno assim. SOU TODO POETA, TODO ESCRITOR, TODO CORAÇÃO E TODO SER HUMANO."

Escrevi esse pequeno desabafo enquanto vinha de ônibus, no meu celular de última geração, pois sabia que tempo não tinha até chegar em casa, aos poucos eu tinha o medo de perder cada faisquinha que desse encontro eu pudesse tirar. Foi uma média de 32 mensagens e garanto, que apesar do trabalho para digitá-las, aqui e agora, não me arrependo em nada. 


Essa foi minha experiência, de corpo, coração e alma, com o desconhecido que pra sempre será desconhecido, mas que a vida de alguém, eu te garanto, já mudou. Talvez tenha sido uma das maiores, se não a maior, experiência que vivi durante minha vida acadêmica.. na correria de escrever matéria de lá, trabalho de cá, conhecer alguém, por mais que seja através de um microfone, e sair, chocada, sem vontade de acender um cigarro ou fugir da chuva, isso sim é indescritível.